sábado, 27 de agosto de 2011

VIII

Fim de tarde, detalhadamente, dezoito horas, retornava para casa após mais um dia de serviço, dia esse que não foi dos melhores pois seu superior lhe cobrou a pesquisa que deveria ter sido feita até o final do expediente, para dar a resposta ao cliente em um caso de separação, mas não o foi, já que deixara para a última hora e, no fim de semana, saiu com os amigos... ou pensou.

Passava ultimamente muito tempo em divagações, pensando em alguém que ainda não conhecia.

Filho da puta - pensou - não preciso deste emprego, é só cobrança, não há um pingo de reconhecimento. Ele não se lembra daquela vez em que resolvi... mas deixa para lá, não deu, não deu... Enquanto trocava de música em seu mp3 player e esperava o ônibus chegar, na fila, olhou para trás - a fila já grande - e notou  uma bela moça dirigindo-se ao final. Gostou do que viu e ficou, em seguida, contando o número de pessoas em linha, com o intuito de ver se seria possível ela embarcar no mesmo ônibus e, principalmente, se daria para ela sentar próximo a ele.

O cobrador permitiu à senhora no começo da fila o embarque, passavam, pagavam e procuravam o melhor assento. Na sua vez, André passou, escolheu um banco que ficava de frente a outro - ao contrário do convencional, em que uma pessoa fica de costas para outra - e aguardou... Passaram senhoras, trabalhadores, estudantes, e ele esperando pela garota, em vão - pensou - mas, mesmo assim, esperou.

A bela moça sentou à sua frente, já que era um dos poucos lugares vagos no coletivo, e notou que o jovem a observava. Lanço-lhe um olhar, apenas, e desviou sua atenção para a música em seu celular. Nesse momento André sentiu um calor, uma ansiedade, e a observou mais atentamente, procurando uma forma de iniciar um bate papo - era uma moça loira, com cabelos longos ultrapassando os ombros, tinha a pele bronzeada, os traços finos, do queixo, da boca, dos olhos, que eram escuros, misteriosos pode-se dizer até, a sobrancelha bem feita, com o nariz um pouco desproporcional, mas delicado... e, claro, apresentava-se bem vestida. Diante disso, deduziu que ela, pelo horário, estivesse indo para a faculdade - o que ele, de fato, deveria estar fazendo - pois ela não aparentava possuir mais do que vinte e três anos e não era possível ela trabalhar apenas para sustentar a família, se é que vivia sozinha.

Fixou-lhe o olhar, aguardando algum retorno... em vão.

Olhou pela janela - carros, noite, faróis, fumaça, multidão - e imaginava que ela pudesse iniciar uma conversa, já que minimamente esboçou uma reação nesse sentido - ela sentou perto de mim - pensou. Quando percebe e olha em direção à moça, ela desvia o olhar, fixando-o no chão do coletivo. André tem a confirmação do que esperava e aguardou, agora mais esperançoso.

Lançou-lhe um novo olhar.

Nada.

Olhou para a janela.

De canto de olho, notou que ela o fitava, mas nada fez - continuou escutando sua música, matutando em uma forma de iniciar uma conversa com a moça.

E continuaram nesse ciclo infindável de vergonha e timidez recíproca por um tempo.

André precisava se levantar, estava chegando a seu destino. Enquanto pegava sua mochila e a colocava nas costas, sentiu-se mal, incapaz por não ter, no tempo todo dentro do ônibus, iniciado um simples diálogo, uma conversa informal com a moça, o que não acontecia pela primeira vez, é verdade... o que tenho, sou feio... não... não sei... mas, assim mesmo, lançou um último olhar, pelos ombros, em direção à moça, como se isso adiantaria em algo, e viu que ela se levantou também - deve ser daqui da região mesmo, ou estuda por aqui - pensou.

Desceu e seguiu em direção a sua casa, sempre, claro, de forma discreta, dando uma olhada para trás, esperando que ela seguisse pelo mesmo caminho. E, para sua surpresa, o que lhe ocorreu pela cabeça estava acontecendo. Diminuiu os passos para que ela se aproximasse. Chegou até a parar por dois, três segundos.

Dobrou a esquina do prédio e, pouco antes de entrar pelo portão, deu uma última olhada para trás, cumprimentou o porteiro e seguiu em direção ao hall, para esperar o elevador. Nesse tempinho escuta o portão de entrada do prédio bater e dá uma olhada: era a garota por quem se apaixonou momentos antes.

O elevador já tinha chegado, mas mesmo assim esperou até que a loira adentrasse ao hall do edifício. Ao entrar, a moça mediu André dos pés a cabeça, olhou-lhe nos olhos e deu um leve sorriso, dirigindo-se imediatamente ao seu elevador, pertencente a outro bloco do edifício, que já se encontrava no andar térreo. 

As mesmas sensações que ele sentira há pouco passaram-lhe novamente pelo corpo, mas estava, principalmente, confortável por não ter sido culpa dele a ausência de contato entre os dois durante o trajeto para casa, mas sim culpa do fato de - pensava - ela sentir-se insegura, com medo de que qualquer  estranho a aborde e queira saber sobre sua vida, pois nos dias atuais realmente é perigoso sair relacionando-se com qualquer indivíduo, falar sobre aspectos particulares etc. Normal, ainda bem.

Engano, não lhe perguntou nem o nome. Engano.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

4:20

Eram quatro e vinte, exatamente.

Olhou novamente para o relógio, cumprimentou os quatro amigos. Estavam no local combinado - o parque já conhecido, no grande verde tapete, onde jogavam conversa fora.

Pegou o ônibus. Foi para casa. Comeu. Leu o romance indicado por Paula. Caiu no sono... Acordou. Estava no terminal. Muitos passavam. Velhos. Mulheres, feias. Crianças. Ambulantes. Amputados. Imerso em pensamentos - sentia frio, lembrou do almoço, calor, agachou-se. Estava no jogo. Com a 10. Pelé. Paula torcendo por ele. Fez um golaço. Passou a bola. Foi fominha. Estava na aula. Na sala. Dentro do boteco. Fora. No corredor. No alambrado. Ramones (gosto). Com os camaradas, sempre eles. Acordou, com Paula. Ah.......... Paula. Amou. Brigou. Odiou. Arrependeu-se. E disse as três palavras. Suicidio. Lembrou de Dostoievski, Raskolnikov, Nástienka, Karamazov. Rasputin - que beleza. Tenho que comprar. Pão. Leite. Mais. Está acabando. Terminal. Rodovia. No ônibus. No parque. No cinema - nadou, nadou - Paula ao seu lado. E cansou.

Olhou novamente para o relógio, para os amigos. Deu um suspiro.

Eram quatro e vinte, mais alguns segundos.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Uma grande Trapista: Rochefort 10º

Ontem tomei uma Rochefort 10 e não poderia deixar de escrever sobre a bela experiência que tive ao apreciar essa excelente expositora das trapistas belgas.
Rochefort 10º aqui em casa
Antes de mais nada, por se tratar de uma cerveja trapista, é fundamental apresentar o conceito desse tipo de cerveja, além das características de como, onde e por quem elas são produzidas.       

            Cervejas Trapistas

Não são consideradas propriamente um estilo único, pois algumas são Dubbel, Tripel ou Quadrupel. Todavia, dado o fato de algumas cervejas trapistas serem consideradas as melhores do mundo por inúmeros especialistas, merecem ser “separadas” das outras.

A Ordem Trapista (oficialmente, Ordem dos Cistercienses Reformados de Estrita Observância) é uma congregação religiosa católica. Seus monges seguem o princípio fundamental do ora et labora, vivendo em grande austeridade e silêncio. Fazem três votos: pobreza, castidade e obediência. Assim, as cervejas, fabricadas em pequenas quantidades no interior dos mosteiros, muitas vezes são difíceis de ser encontradas no mercado, já que os monges não as comercializam com o propósito do lucro, mas apenas para manter o funcionamento da própria abadia e alguns serviços de caridade.

Atualmente, a ITA (International Trappist Association), entidade criada com o propósito de definir as regras do estilo e proteger o nome do uso abusivo por parte de outras marcas, possui como membros apenas sete abadias trapistas, seis na Bélgica (Westvleteren, Chimay, Orval, Achel, Wesmalle e Rochefort) e uma na Holanda (Koningshoeven, onde são fabricadas as cervejas La Trappe). A entidade criou, também, um selo de identificação que só pode ser utilizado em produtos trapistas autênticos.

           
No caso da Rochefort, ela é produzida, obedecendo a um processo bastante rigoroso de seleção de ingredientes, na Abadia de Notre Dame, em Saint-Remy, situada a mais ou menos cinco quilômetros da cidade de Rochefort, por aproximadamente 15 monges que residem no monastério, que têm como característica o fato de serem bastante secretos com relação ao processo de fabricação da cerveja, que não é aberto ao público.

A abadia, como já foi mostrado acima, não vê na produção uma forma de obter lucros e produz cerveja desde 1595, sendo tanto a Rochefort 10º quanto a 6º produzidas a partir de 1953, quando, após a II Guerra Mundial, o local em que as cervejas eram produzidas pegou fogo e os equipamentos precisaram ser repostos, contando, inclusive, com equipamentos da Cervejaria Trapista Chimay - isso significa dizer que durante todo esse tempo (até o incêndio), apenas a Rochefort 8º era feita pelos monges, entrando as irmãs "6" e "10" no catálogo trapista após tal incidente.
Vista aérea da Abadia

Jardim aberto para visitas no local


Os números que diferenciam as cervejas dizem respeito à densidade em "Belgian degrees", em que, quanto maior a numeração, maior a força, a graduação alcoolica da bebida. Densidade essa não relacionada diretamente à porcentagem de álcool inserido, mas sim à quantidade de açúcar dissolvido presente na mistura antes do processo de fermentação. Isso é verdade que a graduação alcoolica da Rochefort 10 é de 11,3%, e não 10% como à primeira vista intui-se.

Essa quadrupel contém os seguintes ingredientes: malte de cevada, amido de trigo, açúcar cândi branco e marrom (açúcar em cristais grandes e duros, como pequenos caramelos, que se dissolve lentamente, liberando aos poucos seu dulçor) e os lúpulos Hallertau e Styrian.

Para deixar bem claro, essa é uma das cervejas mais complexas que já provei: o corpo, o aroma e o sabor representam uma explosão de sensações agradáveis e dignas de "se pensar" a respeito.

A cerveja apresenta coloração marrom-avermelhada, com uma espuma beje, que, embora não seja permanete, deixa uma camada fina a todo instante sobre o líquido. Ao colocarmos o nariz próximo ao copo (um copo trapista - já que é fundamental servir uma cerveja no copo correto) há uma explosão de aromas: podemos identificar claramente chocolate, toffe (sim, aquelas balas), um pouco de café, doce de banana torrado e, bem ao fundo, um herbal refrescante. 
O sabor, além de apresentar o chocolate, o toffe e a banana, apresente toques de frutas vermelhas, como ameixas, sendo que no final ela se torna licorosa e, vale dizer, que eu senti, ontem, após deixá-la um pouco em repouso, o gosto de cascas de uvas vermelhas, além de um picante por causa do álcool.

Uma cerveja belga magnífica, que para o total aproveitamento deve ser servida na temperuta correta, entre 15º - 18°C. Devo contar que apenas uma vez, quando apreciei um exemplar sozinho, em casa, pude sentir, claramente o aroma e sabor de lichia, como se estivesse na boca com aquelas balas vendidas na Liberdade. Acredito, assim como meu tio, que isso tem a ver com a temperatura de serviço, que deveria, no caso, estar perfeita, e com o tempo de guarda da cerveja.

Por fim, digo, que essa é uma cerveja fenomenal, figurando, com certeza, entre as melhores do planeta, excelente para ser aberta num tempo frio como o de hoje, para, escutando uma bela música, pensarmos na vida.

Prove, se você gosta de cerveja, não haverá arrependimentos, isso eu garanto.


Fontes

http://www.abbaye-rochefort.be
http://www.brejas.com.br
1001 Beers You Must Try before You Die - Adrian Tierney Jones

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Três grãos em uma cerveja... Karmeliet, uma iguaria belga

Para abrir os posts sobre cervejas, começo com uma das minhas favoritas: a excelente Tripel Karmeliet.

Essa bela cerveja belga tem suas origens no ano de 1679 proveniente dos monastérios das freiras carmelitas, em Dandermonde, região situada a cerca de 40 quilômetros da capital Bruxelas - interessante notar que o perído de início da produção correspondeu à época em que o país estava sob o domínio espanhol do imenso Império Habsburgo. Essa cerveja, classificada como Ale (cerveja forte), é histórica pelo fato de ter em sua produção, além da presença de lúpulo, o uso de três grão distintos: trigo, cevada e aveia, utilizados tanto na forma maltada quanto não maltada (6 grãos no total, pode-se dizer).

A produção a partir do século XVIII ficou nas mãos da família Bosteels e permanece até os dias atuais, valendo a menção de que essa família está na sétima geração de decendentes que continua a "tocar o negócio", possuindo atualmente uma cervejaria (criada na década de 1990) que produz também a Pauwell Kwak e a DeuS, sendo essa última conhecida por ser fabricada pelo Método Champenoise, com aspecto de champagne (claro), fermentações dentro da própria garrafa... mas não é dessa cerva que estamos falando - fica, talvez, para uma próxima ocasião comentarmos sobre a DeuS.

Vale mencionar também que, na opinião dos degustadores profissionais, a Karmeliet sempre se sai bem em "testes cegos", figurando não raramente entre as melhores posições nas competições de cerveja pelo mundo afora.

Seguem alguns títulos que a Karmeliet já conquistou:

Medalha de ouro na World Beer Cup (USA) em 1998;
Medalha de prata na World Beer Cup (USA) em 2002;
Medalha de ouro na World Beer Championship (Chicago-USA) em 1998;
Medalha de bronze no Brewing Industry International Awards (London) em 2004;
Medalha de ouro na European Beer Star Germany 2005; e
Título de "World's Best Ale" na World Beer Awards (WBA-London) em 2008.

Karmeliet em "garrafão" aqui em casa

No que diz respeito ao aspecto visual, a cerveja apresenta coloração dourada, translúcida e com enorme espuma, densa, branca, de longa duração. Ao colocarmos o nariz no copo, sobresaem-se notas cítricas de laranja e damasco, florais, além de levedura - na versão garrafão, é possível sentir aquele aroma do resto de Yakult que fica depositado após tomado, dada a fermentação que acontece naturamente ao abrir a garrafa - e um dulçor bastante marcante (proveniente da aveia), gostoso. Tudo isso sentido de forma clara, sem muitos esforços.

O sabor segue o aroma, valendo mencionar um certo sabor "picante", em decorrência da elevada presença de álcool - 8% -, que não atrapalha esse maravilhoso conjunto.

Recomenda-se servi-la, para uma melhor experiência sensorial, em temperatura entre 10º e 12ºC, além de evitar derramar no copo o fermento que fica depositado no fundo, pois, quando feito, altera bastante o sabor e aroma da cerveja.

O preço médio dessa breja aqui em São Paulo, nos bares, é de R$ 30,00 (garrafinha 330mL) e R$ 70,00 (Garrafão 750mL); já nos empórios é, respectivamente, R$ 19,00 e R$ 50,00 - Sim, pagamos muito mais caro quando bebemos no boteco.

Por fim, eu recomendo essa excelente tripel belga, que, com certeza, é uma das melhores que eu já provei e uma das melhores do mundo (se não a melhor) no estilo; e, independentemente do preço, a experiência sensorial, a descoberta de novos aromas, sabores são muito bem-vindas e prazerosas.

Não deixem de prová-la. 

Fontes:

http://www.bestbelgianspecialbeers.be
1001 Beers You Must Try before You Die - Adrian Tierney Jones
Conhecimento empírico, claro.